A Última Ceia como um Seder de Pessach.

A Última Ceia, a refeição derradeira de Jesus com seus discípulos antes de sua crucificação, é tradicionalmente compreendida como tendo ocorrido no contexto de um Seder de Pessach, a refeição ritual que inaugura a celebração da Páscoa judaica. Este artigo explora as evidências bíblicas e as tradições judaicas que sugerem essa conexão, analisando como os elementos e a estrutura do Seder podem ter influenciado os eventos e as palavras de Jesus naquela noite crucial, enriquecendo nossa compreensão da instituição da Nova Aliança e do significado da Eucaristia.

A Última Ceia, um evento central na narrativa dos Evangelhos, é amplamente considerada pelos estudiosos e pela tradição cristã como tendo ocorrido durante a celebração do Seder de Pessach, a refeição ritual que marca o início da Páscoa judaica. As referências temporais nos Evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas) parecem alinhar a Última Ceia com a época da Páscoa, quando Jerusalém estava repleta de judeus celebrando a libertação da escravidão no Egito.

O próprio ambiente da Última Ceia sugere fortemente uma conexão com o Seder. Jesus e seus discípulos se reuniram em um cenáculo, um local preparado para a refeição pascal. A menção do pão ázimo (matzá) sendo partido e distribuído por Jesus (Mateus 26:26, Marcos 14:22, Lucas 22:19) é um elemento fundamental do Seder, onde o pão fermentado é proibido em memória da pressa da partida dos israelitas do Egito.

Da mesma forma, a partilha do vinho (Mateus 26:27-29, Marcos 14:23-25, Lucas 22:17-18) também se encaixa na estrutura do Seder, que tradicionalmente envolve a ingestão de quatro cálices de vinho, cada um com um significado específico relacionado às promessas de libertação de Deus no livro de Êxodo. Embora os Evangelhos não detalhem os quatro cálices, a presença do vinho como um elemento central da refeição é inegável.

Além dos elementos materiais, as palavras e ações de Jesus durante a Última Ceia podem ser vistas à luz da estrutura e do propósito do Seder. O Seder é uma refeição narrativa, onde a história do Êxodo é recontada, acompanhada de perguntas, discussões e a ingestão de alimentos simbólicos que evocam a experiência da escravidão e da libertação. O ato de Jesus de dar graças, partir o pão e dizer “Isto é o meu corpo, que é dado por vocês” e, da mesma forma, ao oferecer o cálice, declarar “Este cálice é a nova aliança no meu sangue, que é derramado por vocês” (Lucas 22:19-20) pode ser interpretado como Jesus reinterpretando os símbolos tradicionais do Pessach à luz de seu próprio sacrifício vindouro e da instituição da Nova Aliança.

Assim como o cordeiro pascal era o ponto central da refeição do Êxodo, lembrando o sacrifício que possibilitou a libertação da morte, Jesus se apresenta como o novo Cordeiro Pascal (1 Coríntios 5:7), cujo sacrifício traria a libertação definitiva do pecado e da morte. A Última Ceia, nesse contexto, torna-se uma celebração da nova redenção que Jesus estava prestes a realizar.

No entanto, é importante notar que alguns estudiosos debatem se a Última Ceia foi precisamente um Seder de Pessach, apontando para possíveis discrepâncias cronológicas entre os Evangelhos sinóticos e o Evangelho de João em relação ao dia exato da refeição pascal. Apesar dessas discussões, a forte influência das tradições do Pessach na estrutura e no significado da Última Ceia permanece evidente.

Para os cristãos hoje, compreender a Última Ceia em seu possível contexto de Seder de Pessach enriquece a nossa apreciação da instituição da Eucaristia. Ela nos conecta com as raízes judaicas da nossa fé e nos ajuda a entender como Jesus se inseriu na história da redenção de Israel, oferecendo uma libertação ainda maior através do seu sacrifício. A Ceia do Senhor, portanto, pode ser vista como a celebração da nossa própria “passagem” da escravidão do pecado para a liberdade da graça, através do sacrifício do nosso Cordeiro Pascal, Jesus Cristo.